Por Marcelle Toscani
Escrevo com o propósito de explicar por que luto contra a exploração dos animais não-humanos pelos humanos. Usarei os termos animais-humanos e animais não-humanos, pois na verdade somos todos animais. Geralmente, aqueles que lutam em defesa dos animais não-humanos são vistos como pessoas que tem “peninha dos bichinhos”, são muito sensíveis ou emotivas demais, o que não é verdade. A luta pelos direitos dos animais não-humanos está alicerçada em critérios éticos e morais, que são justificados racionalmente. Primeiramente, a maioria das pessoas desassocia a luta anti-especista da luta pelo princípio de igualdade humana, o que é um grande erro.
O especismo está para a espécie assim como o racismo está para a raça ou o sexismo está para o gênero. O pensamento nesses três casos é basicamente o mesmo: ambos têm como base a discriminação de características externas. Ou seja, todos aqueles que são diferentes de mim podem ser subjugados ou inferiorizados. Desse modo, os especistas violam o princípio de igualdade, pois dão mais peso aos interesses da espécie humana de uma maneira bastante fútil. Quando um humano tira a liberdade e a vida de um não-humano, geralmente, o faz por um motivo desnecessário para a manutenção da sua vida e seu bem-estar, desconsiderando os interesses maiores dos não-humanos, quais sejam: viver e não sofrer.
Infelizmente, a maioria da população dá maior peso a seus interesses mais supérfluos. Um exemplo é comer determinado alimento que tenha se originado do sofrimento e morte de um não-humano. Esses interesses humanos concorrem diretamente com interesses básicos dos não-humanos como, por exemplo, não sentir dor, não ser privado da convivência com seus pares, viver livremente e continuar vivo. Se analisarmos o pensamento especista percebemos que os especistas preferem ignorar o desafio do pensamento ético e moral preferindo perpetuar a sua vida edificada no preconceito.
Existem, ainda, pessoas que argumentam não serem especistas apenas baseadas na aparência de um ser não-humano, mas se sentem superiores porque tem a capacidade plena da razão. Ora, se esse critério fosse realmente verdadeiro, milhares de seres humanos também poderiam ser subjugados. Os bebês, os idosos senis, pessoas com doenças neurológicas graves, e pessoas em estado de coma, por exemplo, também não possuem capacidade plena de razão. Fazendo uma análise maior, esse critério excluiria todos os humanos, pois ninguém está livre de sofrer um acidente, adoecer e perder a capacidade plena da razão. Ao invés de subjugar os humanos incapazes, nós zelamos e damos atenção especial a eles, pois esses dependem de nossos cuidados.
Peter Singer e Jeremy Bentham propõem o critério da senciência. Esse critério baseia-se na capacidade do indivíduo de sentir dor e sofrimento. Segundo Singer, aqueles que têm interesses a serem considerados são seres sencientes. Esses seres não são apenas sensíveis, pois possuem um sistema nervoso central organizado, o que lhes dá a capacidade de distinguir um estado prazeroso de um estado de sofrimento. Neste grupo, incluem-se mamíferos, aves, peixes e répteis por exemplo. Senciência é, portanto, a combinação de sensibilidade e consciência. Desse modo, um interesse tem o mesmo valor seja de que espécie, raça ou gênero for o interessado.
Baseando-se nesse princípio, devemos repensar o modo que animais não-humanos são criados para servir os humanos. A produção industrial mantém os animais confinados em espaços muito pequenos, longe do ambiente que lhes é natural, apartados de seus pares e reproduzidos artificialmente, e, por fim, tem uma morte dolorosa. Isso provoca dor e sofrimento intenso. A maioria dos humanos enxerga seres não-humanos como produtos e não como seres sencientes.
Apesar de muitas pessoas compreenderem esses argumentos, ainda preferem ser egoístas e serem guiadas pela irracionalidade. Uma pessoa egoísta não percebe que ao permitir que se beneficie com o sofrimento de outro ser, está permitindo também que outros se beneficiem com o seu próprio sofrimento. Além do mais, não há nenhuma justificativa racional que diga que uma pessoa deva ter seus interesses mais considerados do que as demais. Assim, toda a dor causada a outro ser (humano ou não) é eticamente injustificável.
Também é possível afirmar que os animais possuem uma “vida biográfica”, pois são dotados de consciência, memória e sensibilidade. Os animais preferem viver em determinados locais, com determinados pares e em determinadas situações. Animais não-humanos lembram-se de situações que lhes causaram dor ou tristeza e evitam essas situações. Animais não-humanos têm a capacidade de reconhecer quando um de seus pares está morrendo, sentindo dor ou medo.
Os animais não-humanos existem para seus próprios fins. Não são feitos para servir aos interesses de outra espécie. Se lutamos pelo fim do racismo, do sexismo, ou de qualquer preconceito, então é inadmissível que não lutemos pelo fim do especismo também, pois a luta é a mesma.
Nada justifica a exploração animal! Os animais não-humanos são os escravos do nosso tempo. Eles não têm voz para se defender. Somos todos responsáveis pelos atos que praticamos ou deixamos de praticar.
Pense, seja antiespecista!
Marcelle Nogueira Toscani é Professora de História, especialista em História e Cultura Afro-brasileira, em Educação a Distância, e em Alfabetização e Letramento. Responsável pela Cozinha Canhota – Ativismo da Boca pra Dentro, serviço de alimentação vegana. Coordenadora do Setorial de Direitos Animais PT RS, Secretária de Mobilização no Partido dos Trabalhadores na cidade de Passo Fundo. Ativista por um mudo melhor. marcelletoscani@gmail.com
Referências:
REGAN, Tom . Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos animais; tradução Regina Rheda ; revisão técnica Sônia Felipe, Rita Paixão – Porto Alegre, RS: Lugano, 2006
SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade e Como Representação. São Paulo, Unesp, 2005
SINGER, Peter. Ética Prática. 3ª ed. Trad. Jefferson L. Camargo. São Paulo, Martins Fontes, 2002
SINGER, Peter – Libertação Animal; tradução Marly Winckler; revisão técnica Rita Paixão. – Ed. rev. – Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004
