APRESENTAÇÃO
A Setorial de Educação do PT/RS retomou seu trabalho com a plenária estadual, ocorrida no dia 13 de abril de 2023, sobre o tema “NOVO ENSINO MÉDIO: REVOGAR E CONSTRUIR”.
A abertura do encontro foi feita pela Presidenta do PT/RS, professora Juçara Dutra. As companheiras e os companheiros responsáveis por apresentar os enfoques iniciais sobre o tema foram a professora Jaqueline Moll; professora Sofia Cavedon – Deputada Estadual, Presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da AL/RS; professora Teresa Leitão – Senadora da República e coordenadora da Setorial Nacional de Educação (CAED); professor Eliezer Pacheco e professor Jose Clovis de Azevedo.
O texto a seguir, que reúne os pontos centrais debatidos na plenária, foi produzido pelo companheiro Jose Clovis de Azevedo e, ao seu final, encontram-se acréscimos pontuados pela Coordenação da Setorial.
Desafios para reconstruir um projeto para o Ensino Médio
Uma questão que precede ao debate do Ensino Médio é a afirmação da educação como um direito. O direito à educação não se restringe ao acesso à escola, mas só se realiza com o acesso ao conhecimento.
A educação brasileira passou a ser estruturada na configuração moderna a partir dos anos 1930. O processo de modernização e industrialização induzido pelo estado importou-se com a necessidade de organizar o mercado de trabalho para atender a demanda da produção industrial e suas consequências no âmbito das atividades produtivas. Neste contexto veio a público o Manifesto dos Pioneiros (1932), que afirmava a necessidade de uma educação pública de qualidade como um direito de toda população.
No entanto, os primeiros desenhos do que poderia ser um sistema educacional, concretizou uma característica excludente que iria marcar a educação brasileira: o dualismo. Ou seja, uma educação de qualidade para as classes privilegiadas, para a formação de dirigentes, e a educação profissional para os filhos da classe trabalhadora. Nesta perspectiva foram criadas, durante o Estado Novo, as primeiras instituições que denominamos hoje Sistema “S”.
Para as classes populares bastaria a educação elementar e um curso técnico básico para a formação de um operário adequado ao mercado de trabalho. Esse sistema dual e excludente perpetua-se pelo século XX e chega ao nosso tempo com novas características. A luta pela integração da educação geral e profissional sofre um golpe com o decreto federal nº 2208 (1997), no governo de Fernando H. Cardoso, que separa formalmente a Educação Geral e a Educação Profissional.
A contra reforma do Ensino Médio e o novo dualismo
A contra reforma do Ensino Médio, criada por medida provisória no contexto do processo do golpe de 2016, vem articulada com outras contra reformas, como a da previdência, a reforma trabalhista e a lei da terceirização. Trata-se agora de atender as necessidades do mercado de trabalho na fase de acumulação flexível do capitalismo. É preciso desregulamentar o mercado de trabalho, “flexibilizando” as leis trabalhistas em acordo com a dinâmica da terceirização, possibilitando o trabalho temporário e precário.
Contudo esse trabalhador precário, temporário, precisa ser capaz de realizar multitarefas, pois as qualificações são seguidas de desqualificações em virtude da dinâmica das inovações tecnológicas que extinguem funções e cria novas, alterando permanentemente a existência de postos de trabalho.
Nesta perspectiva o capital em sua fase de acumulação flexível necessita de uma força de trabalho com uma formação geral rasa e uma formação técnica aligeirada, para formar um trabalhador para o emprego precário, temporário, com relações de trabalho precarizada.
Para cumprir esse objetivo, o chamado Novo Ensino Médio institui um currículo pasteurizado, reduzindo o ensino das disciplinas científicas e criando um grande número de disciplinas de forma aleatória, sem relação com o conhecimento cientifico e desvinculadas da formação dos professores.
Este projeto concretiza uma linha pedagógica de influência empresarial que sonega, aos mais de quarenta milhões de crianças e jovens que estão na escola pública, o direito ao acesso ao conhecimento, ao acesso às ciências, fortalecendo estrategicamente as desigualdades sociais, submetendo as juventudes das classes populares aos limites de uma formação precária para o trabalho precário. No novo dualismo, nem mesmo a formação técnica é o caminho oferecido às classes populares, mas uma formação onde o conhecimento é sonegado. Ao mesmo tempo a rede privada continua garantindo a educação geral de qualidade para os segmentos sociais historicamente privilegiados.
Retomar o debate para reconstruir um projeto para o EM.
Não procedem as afirmações de que a crítica ao NEM é a defesa da volta do velho EM; “Ou de que não se tem o que colocar no lugar”; “ou que muitos investimentos já foram feitos para a implantação no NEM”, por isso não se pode revogar.
É preciso resgatar que desde os anos 1980 os setores progressistas defensores do direito à educação para todos vêm criticando o dualismo e propondo alternativas para uma educação geral de qualidade e uma educação profissional integrada.
Em 2004 o governo Lula revoga o decreto federal nº 2208/1987 e, promulga o decreto federal nº 5154, trazendo de volta a educação profissional para o EM e possibilitando a integração entre ambas. A criação do Fundeb (2007) significou um passo importante para o financiamento do EM, e a sua consolidação como etapa da Educação Básica. A Lei nº 11.741, de 16 de Julho de 2008, absorve o conteúdo do decreto de 2004, e afirma a possibilidade da Educação profissional integrada à Educação Geral.
Para normatizar essa legislação foram homologadas em 2012, as Diretrizes Para o Ensino Médio e para a Educação Profissional exaradas pelo Conselho Nacional de Educação. Seguiu-se no processo de mudanças no Ensino Médio, com o Ensino Médio Inovador e o Pacto pelo Ensino Médio, políticas oferecidas aos estados pelo MEC. Registre-se que todas as mudanças de ordem legais e práticas foram frutos de um intenso debate com a participação dos meios acadêmicos, sindicais, empresariais, com destaque para atuação do Fórum Nacional da Educação, composto pelas representações da educação de todo país.
Registre-se, ainda, que todo esse esforço democrático de construção do um novo projeto que começou ser gestado para o Ensino Médio foi acompanhado por investimentos substanciais do governo federal nos estados que iniciaram processo de mudanças sob a nova normatização e a nova política.
O terremoto político iniciado em 2015 abortou todo esse processo rico e transformador que anunciava a superação do dualismo e avanços na garantia de um EM de qualidade para nossas juventudes. A ascensão política dos setores conservadores impôs por medida provisória o NEM, à revelia da discussão com os setores educacionais e com a sociedade, tendo possibilitado a influência de setores neofascistas e ultraconservadores que tentaram impor propostas como “escola sem partido”, “educação domiciliar” e “escola cívico-militar”.
Trata-se agora, nesse novo tempo político, de resgatar as experiências, (re) significá-las, estabelecer um espaço democrático a partir do historicamente acumulado e formulado, caminhando na direção da um EM de qualidade para as nossas juventudes.
Um novo projeto para o EM necessariamente nos remete a retomada do processo interrompido a partir de 2016.
As Diretrizes da Educação Profissional e do EM de 2012, com todas as suas contradições, constituíram-se como acordos possíveis e representaram avanços e possibilidades significativas. Estas diretrizes consolidavam o EM e a Educação Profissional como etapa da Educação Básica. Na sua base conceitual afirmavam os conceitos de Ciência, Cultura, Trabalho, Tecnologia como princípios fundamentais para a organização de um currículo que garantisse uma Educação Integral.
O Ensino Médio Inovador propôs ampliação do tempo escolar de 2400 horas para 3000 horas, apoiando os estados que assumissem esse compromisso. Ao mesmo tempo ampliava e articulava um conjunto de ações como: Mais Educação; PIBID; Transporte Escolar; Alimentação Escolar; Reforma e Construção de Escolas; financiamento para formação professores continuada e em serviço. Todas essas políticas e ações foram destruídas a partir do golpe de 2016. Resgatar essas experiências e essa memória é fundamental para reconstruirmos o projeto para o EM.
Podemos citar experiências com caráter diverso como o projeto exitoso dos Institutos Federais, o Ensino Médio Politécnico no Rio grande do Sul, que instituiu às 3000 horas e, embora não consolidado apontou caminhos e possibilidades, como a prática de integração ensino e pesquisa no espaço do Seminário Integrado, bem como uma intensa formação de professores em serviço com um trabalho orgânico com as universidades. Na educação rural a Pedagogia da Alternância desenvolvida principalmente no estado do Paraná também avançou em mudanças no ensino técnico.
São esses caminhos interrompidos e trabalhos como os dos IFs que se constituem como fortes referências para um projeto de EM que não sonegue o direito ao acesso ao conhecimento científico às nossas juventudes.
É preciso questionar a carga ideológica pró-mercado que pulveriza o currículo do NEM com conceito excludente como meritocracia; reducionista como empreendedorismo e falseamento como inovação sem ciências.
Com base nos acúmulos teóricos existentes, nas políticas públicas formuladas e nas experiências vividas podemos apontar princípios e diretrizes para um debate democrático que envolva as juventudes, os docentes, pesquisadores e movimentos sociais.
É preciso revisitar o Pacto pelo Ensino Médio; o Ensino Médio Inovador e todas as experiências e políticas interrompidas com o golpe na Presidenta Dilma. Viabilizar ações para a recuperação física e estrutural das redes, concretizar uma política articulada entre os entes federados para valorização do professor, bem como investir na recuperação e aparelhamento pedagógico das escolas públicas.
Um novo projeto necessita recolocar o Ensino Médio como parte indissociável da Educação Básica, propiciando uma Educação integral na Escola Pública para todas as juventudes e a Educação Profissional integrada à Educação Geral.
A Educação Integral, que não se confunde com tempo integral (embora isso seja necessário), é a formação do ser humano em todas as dimensões das potencialidades humanas. É a formação politécnica. A politecnia supera o aprendizado unilateral, subordinada ao mercado, busca a formação omnilateral. A formação do indivíduo crítico, com autonomia intelectual, com consciência cidadã, comunitária, com competência social e técnica para produzir a sua existência com dignidade e contribuir de forma solidária na vida real.
A Educação Integral e politécnica tem o trabalho como Princípio Educativo. Trabalho, não reduzido à empregabilidade, embora reconhecendo a sua importância, mas trabalho como necessidade inerente ao ser humano, na sua dimensão ontológica. O conceito “mundo do trabalho” entendido como toda atividade humana, suas relações com o outro, com a natureza, com os sistemas de produção, distribuição e apropriação de riqueza. Portanto, conhecer o mundo do trabalho implica a garantia de acesso aos conhecimentos produzidos pelas ciências na totalidade das suas dimensões biofísica e sociais.
A Educação integral desafia a superação da cisão educação geral e profissional, demanda romper a dicotomia teoria e prática, pensar e fazer, ciência e tecnologia. Significa estruturar um currículo em que as juventudes sejam protagonistas na construção de suas aprendizagens através da iniciação científica, difundindo uma cultura de investigação, articulando ensino e pesquisa, pensar e fazer. Como etapa final da Educação Básica o currículo do EM, com base na Educação Integral, deve possibilitar aprender os fundamentos científicos da técnica e promover o desenvolvimento de atividades artísticas, corporais e esportivas, bem como oferecer a opção da formação profissional qualificada.
A Educação Profissional, integrada ou concomitante não pode prescindir da formação geral. O Ensino, quando de Tempo Integral, pressupõe políticas sociais que garantam a sustentação das juventudes para permanecer na escola. Isto implica uma participação maior do governo federal no financiamento dos sistemas estaduais de ensino.
É necessário reestruturar a normatização dos estágios de nossos jovens no âmbito das empresas. O estágio deve combinar os conhecimentos teóricos com experiências práticas, tendo também uma dimensão de estudo e não pode ser reduzido a cumprimento de tarefas aleatórias aos estudos. Isto pressupõe uma relação estreita escola/empresa e que as empresas se responsabilizem pela oferta e formação de tutorias, capacitadas e responsáveis pelas aprendizagens dos estagiários nos locais de trabalho.
Urge, portanto, a retomada do currículo com base nas disciplinas científicas, relacionados com os componentes curriculares diversificados, sendo a parte diversificada estruturada de acordo com a realidade das escolas e das regiões, com a sustentação do poder público estadual e federal, com oferta de projetos de políticas públicas, aperfeiçoando experiências como o “O Ensino Médio Inovador”, “O Pacto pelo Ensino Médio” e o “Mais Educação”, bem como ampliando a oferta de matrículas nos Institutos Federais.
Os princípios Ciência, Cultura, Trabalho e Tecnologia constituam as bases para uma organização curricular interdisciplinar, com fortalecimento das disciplinas científicas, promovendo a articulação da escola com a comunidade, a realização de experiências participativas e democráticas e com sistemas de avaliações que envolvam os sujeitos avaliados em práticas coletivas que estimulem a auto-avaliação, individual, institucional e sistêmica.
A escola democrática de qualidade capaz de promover o protagonismo das juventudes em sua diversidade de gênero, étnica e cultural. É à escola criativa que se coloca a tarefa de desenvolver uma cultura de investigação, inserindo as representações da vida real como campo de estudo da docência e das juventudes. (Jose Clovis de Azevedo – Outono de 2023)
CONSIDERAÇÕES ANOTADAS
- O movimento do REVOGA O NEM é importante para dar visibilidade a esta luta e, com isso, contribuiu para que o tema fosse pautado pelo próprio Presidente Lula. É uma mobilização que precisa continuar para movimentar as pessoas por mais espaços educacionais, bem como sobre o papel estratégico do EM numa outra dimensão de país.
- A escola e seu compromisso com todos está em disputa na sociedade e, por isso, é necessário avançar na luta pela sua democratização, envolvendo os estudantes, ampliando a legislação para que a gestão democrática prevista na CF e na LDB se realize de forma mais abrangente e avançada dentro das escolas e dos sistemas de educação.
- A implantação do NEM no RS começa numa conjuntura de fortes ataques à escola pública e aos profissionais da educação do RS: parcelamento e atrasos de salários, desestruturação do plano de carreira do magistério, ausência de concursos públicos e a pandemia, entre outros. São aspectos que dificultaram o devido enfrentamento ao NEM no RS.
- O golpe de 2016, ao interromper as políticas em curso consolidou, de forma equivocada, as propostas, as alternativas e as experiências exitosas que estavam em curso na busca pelo de fortalecimento e reestruturação do EM. Com o NEM é como se o EM tivesse sido arrancado da Educação Básica.
- O EM que foi abortado pelo golpe de 2016 buscava sua universalização para os jovens dos 15 aos 17 anos de idade, a expansão e o aprofundamento da concepção de educação integral a partir de uma base curricular sólida, pois com menos conhecimento não há mais educação e, sem ciência, não há inovação.
- A valorização profissional, a qualidade dos equipamentos onde se desenvolve a educação escolar e a qualificação das licenciaturas são questões centrais para o EM necessário à escola pública com uma visão pedagógica comum, na perspectiva de uma rede escolar na educação brasileira.
- Alternativas como o compartilhamento de responsabilidades entre Governo Federal e Governos Estaduais, com a federalização das questões relativas à proposta pedagógica e à gestão de pessoal, cabendo aos estados a manutenção e os insumos de infraestrutura.
- Adotar como referência os Institutos Federais que, mesmo atendendo a peculiaridades locais e regionais, possuem uma identidade nacional, uma concepção de conhecimento de forma integrada, tendo como princípios a politecnia, a unicidade, a educação integral.
- Constituir uma escola sob o ponto de vista do ensino, da pesquisa integrada ao currículo numa cultura de investigação e da extensão como possibilidade de intervenção na dimensão da territorialidade onde a escola está inserida, para além do pátio e dos muros escolares.
- Revogar e Construir o EM passa, necessariamente, pelo resgate dos documentos e experiências já vivenciadas no país, em especial, no período de 2003 – 2015 a fim de compor ou resgatar e desarquivar o projeto de lei existente, onde “Os princípios Ciência, Cultura, Trabalho e Tecnologia constituam as bases para uma organização curricular interdisciplinar, com fortalecimento das disciplinas científicas, promovendo a articulação da escola com a comunidade, a realização de experiências participativas e democráticas e com sistemas de avaliações que envolvam os sujeitos avaliados em práticas coletivas que estimulem a auto-avaliação, individual, institucional e sistêmica”.
Coordenação as Setorial Estadual de Educação do PT/RS
Abril de 2023
Na Plenária Estadual de Educação do PT/RS houve referência à professora ELISABETH TENREIRO (SP), pois se uma professora é assassinada por um aluno seu, todas as professoras e todos os professores morrem um pouquinho também.
